Já estava desacostumado, mas depois de muito tempo meu professor passou um gigantesco trabalho manuscrito. Nessa era de computador, tablet, etc, desaprendemos a escrever à mão. Na universidade, os cadernos foram substituídos por notebooks, até mesmo as aulas nos quadros foram para o projetor do datashow.
A evolução nos deixa acomodados. A gente se acomoda com a companhia dos artistas da TV, quando não há ninguém ao lado no sofá; se acomoda a mandar mensagem pelo celular e se desacostuma com a voz e a presença do outro. Muitas teclas, pouco toque. Muitas telas, pouca visão. Muitos dados, poucos abraços.
Porém, não quero hoje fazer uma crítica ao “progresso”. Aliás, quem sou eu para isso? Mas, esse tal trabalho manuscrito foi – além de cansativo – uma oportunidade de reflexão. No começo, tudo se resumia a páginas em branco. Depois, a caligrafia foi tomando conta das folhas.
Não escrevemos o começo sabedores de como será o fim. A questão é que precisamos voltar urgentemente a escrever, sobretudo quando estamos diante de folhas vazias. Parece-me que a humanidade, de tanto digitar, esqueceu de escrever. De escrever a própria história, mesmo que com as rasuras que o tempo traz.
Quando a turma perguntou ao professor a razão do trabalho não poder ser digitado, ele respondeu: “é para evitar cópias”. Posso estar enganado, mas muitos têm escrito suas histórias com cópias. Vestimos o que a moda dita, frequentamos os lugares em alta, queremos o que o outro tem. Outro dia um cidadão fez cirurgia plástica para ficar “idêntico” ao seu artista favorito.
No fracasso de escrever a própria história, surgem os copiadores. Os que copiam loucuras ideológicas e promovem o mal, os que copiam a ganância, a sede pelo poder, e atentam contra a vida. O homem perdeu seu poder criativo para ser um mero reprodutor. E, ultimamente, pelo que vemos nos noticiários, um mero reprodutor da maldade.
Precisamos voltar a usar caneta e papel, a experimentar a beleza das páginas em branco que, pelo dom de Deus, vão se preenchendo, ganhando vida e sentido. Em nós foi soprado o fôlego da vida para que, com o Pai segurando bem firme em nossas mãos, pudéssemos escrever histórias. Histórias nas quais a maldade é sucumbida pelo amor, em que a indiferença some diante da compaixão.
Certamente no caminho encontraremos rasuras e erros, vamos precisar de corretivo, talvez passar algo a limpo, ter o trabalho de reescrever, encadernar, reler, voltar a trás, mudar a letra, mas apesar disso tudo – pela graça de Deus – ainda temos muitas páginas em branco.
Raphael Abdalla – Presidente do Ministério Diaconal PIB Guarapari